Saúde mental e arte: o que dizer?
(...)Um internado num manicómio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicómio sem manicómio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos
Estou assim...( Esta Velha Angústia – Fernando Pessoa)
As palavras poderão faltar nesta tentativa de escrever um pouco sobre este assunto. Porque para abordar sobre ambos os temas, arte e a saúde mental, a linguagem, só consegue nos levar até certo ponto, até onde nossa intelectualidade permite. E para falar sobre esses dois assuntos, precisamos ir além do lógico, do elaborado, do racional. Entramos em um campo onde, o que importa apenas é a ordem do ser e do sentir.
Chamamos popularmente de loucura à toda expressão do comportamento humano que foge às normas de convenções sociais que foram instituídas durante o percurso da evolução da civilização. Porém, para negar nossa própria loucura, escolhemos deixar alguns indivíduos, à margem da nossa sociedade, para termos em quem depositar a loucura que não queremos ver em nós mesmos.
Talvez, a arte só exista, por conta da loucura que habita em cada um de nós. E a loucura, encontra uma maneira de ser expressada, mostrando um pouco do que tem de criativo na nossa mente. A arte é, dentre muitas outras, formas de expressar no que há de mais sensível e profundo da alma humana e suas emoções.
Esta expressão, surge de uma necessidade. Estamos, sob o “império da vontade”, parafraseando o filósofo Schopenauer. A vontade de ser e conjugar a própria vida como é possível. Porém, para chegarmos à essa concepção do “como é possível”, precisamos entender o outro lado e integrar este texto com um pouco mais de presença, a loucura. Ou melhor dizendo, as manifestações criativas da nossa própria mente. Afinal, quem não é louco?
A mente, durante o seu percurso evolutivo da espécie humana, construiu possibilidades de conseguir manter-se viva e sobrevivente diante das adversidades da realidade que independiam da nossa vontade. Esta evolução da espécie é cultural e mental.
Para a Psicanálise, entende-se que a mente humana, nosso psiquismo, funciona baseado em dois princípios bastante básicos. Um baseado na vontade e outro baseado na realidade. Um seria da ordem da necessidade, no outro, a vontade, o desejo, leva primeiramente em consideração a realidade. Ambos princípios de funcionamento, atuam de maneira dinâmica e convergente.
A arte foi fundamental para a evolução da espécie como também foi um dos resultados de um ponto da nossa evolução. Ela surge como uma das maneiras que nossa mente encontrou de expressar de maneira criativa nossas emoções, nossa loucura, o nosso mundo interno e particular.

Uma prova de que a arte e a nossa mente já um assunto discutido muito antes da linguagem, é a descoberta do primeiro instrumento musical já encontrado. Uma flauta slovena datada de dois mil anos antes de cristo. Ainda não há indícios que a linguagem e a agricultura antecedam a música. Outro fato curioso, é que a música, já é presente na vida do ser humano desde o início da sua existência. Quando ainda na barriga das nossas mães, somos expostos a sons e ritmos. Escutamos o bater do coração da mãe, movimentos e sons do seu sistema digestivo, respiratório e circulatório. Após um tempo de gestação, o bebê já é capaz de ouvir a voz da mãe.
Podemos pensar que, o artista, sofre de angústias muito primitivas relacionadas ao seu próprio eu e sua relação com a realidade, o mundo que o circunda. Porém, estes, muitas vezes dito como os “loucos”, possuem uma capacidade mais aguçada de apreensão de suas angústias mesmo sem saber. Eles, se utilizam da arte para sobreviver a todo esse turbilhão de caos mental que existe dentro deles, que muitas das vezes, são angústias que não possuem um nome para serem representadas.
Na arte, a criação artística é uma necessidade do artista recriar o que sente nas profundezas de seu mundo interno. A psicanalista Hannah Segall, explica um melhor em seu texto sobre a capacidade de formar símbolos e sua relação com a arte. Ela diz, “A percepção interna do sentimento mais profundo da posição depressiva- o sentimento de que seu mundo interno está estilhaçado- é que leva o artista a precisar criar algo que seja sentido como um mundo completamente novo”.
Porém, vivemos em uma civilização, onde a loucura é colocada como algo fora de nós mesmos, como já dito. Se separamos a loucura de nós, podemos passar a viver em um mundo onipotente onde negamos a existência do diferente, sem a possibilidade de vivermos a dúvida e em seguida o questionamento.
Para o artista, há a necessidade de sobreviver e ele criativamente, se utiliza da sua arte para simbolizar seus maiores terrores mentais e encontra uma maneira de poder criar expressão para suas emoções.
Com isso, podemos aqui já concluir que a questão é justamente compreender os destinos que damos às paixões e emoções dos seres humanos. Loucos todos nós já estamos, o que nos resta então, é viver sempre de forma apaixonada pela vida, encontrando formas belas de expressar nossas emoções. A arte é o resultado da paixão do ser humano pela vida e o acolhimento de sua própria loucura.
“ aqui estão os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os encrenqueiros. Os que fogem ao padrão. Aqueles que não se adaptam as regras nem respeitam o status quo. Você pode citalos ou acha-los desagradáveis , glorifica-los ou despreza-los. Mas a única coisa que você não pode é ignorá-los(...) Porque as pessoas que são loucas o bastante para pensarem que podem mudar o mundo são as únicas que realmente podem fazê-los” [Jack Keroac – On the road]
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