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Foto do escritor: Luca PiñeyroLuca Piñeyro

Gota d'água que escorres na vidraça,

não te vás.

Não vês que o meu destino é igual ao teu?

Conheceste o azul do infinito.

Foste nuvem e vagaste pelo céu.

Hoje és gota perdida, solitária

e o vidro em que te abrigas,

é frio, indiferente.

Tombarás esquecida para sempre.


(Foto: Yogendra Yoshi - Foto redimensionada)


Também vim das alturas de um ideal.

O Mundo - essa campânula gigante,

asfixia meu ser,

enquanto me apego às suas paredes escorregadias;

e descendo, descendo sempre mais,

antevejo a real realidade,

e, invejosa, tremo.


Quem sabe, gota d'água,

se da vidraça gélida de um quarto,

não cairás em um jardim?



(Maria da Conceição Ouro Reis)




?.

Este título me deixou intrigado, desde o momento que o vi no índice do livro "A Lagoa do Fauno", de Maria da Conceição Ouro Reis. E quando cheguei ao poema, não esperava encontrar um diálogo entre o eu lírico e uma gota d'água. Mas então, dentro desta pequena gota, o olhar da poetisa reflete naquela gota, e ela vê escorrer-se a própria vida.

E é essa conexão, da sua própria existência, com a gota que escorria, que a leva a pedir, quase melancolicamente, para que a gota não se vá. Da súplica ao fim da primeira estrofe e durante a segunda estrofe, Maria constrói um paralelo entre o ser nuvem e vagar no céu, para então desprender-se, uma em um milhão de gotas, que, como todas as outras, percorrerá uma breve jornada e terminará. Embora a autora tenha dissolvido de modo genial uma profunda questão existencial em uma simples gota, não é este o grande desfecho do poema. Ele está, como não estaria, na última interrogação, o último ponto, derradeiro símbolo, exatamente igual ao primeiro, encerrando perfeitamente o círculo.

Nos três últimos versos, agregados na terceira e última estrofe, aparentemente irrisórios perante a eloquência e extensão das duas anteriores, está a pergunta que concentra a questão exposta no título. É o ponto de toda a questão. A razão da inveja e do tremor que o eu lírico sente em relação a gota e ao próprio destino, ante a real realidade que ela antevê: A vida aflui por nossos corpos incessante, e se esvai, e tudo que podemos fazer é observar enquanto descemos, e descemos, sem saber para onde desliza nossa existência, dentro do infinito abismo das possibilidades.

Mas há o jardim... ela supõe: e se? Se dos frios limites da janela que enclausuraram a celeste gota, desenlace-se num vasto e ilimitado jardim. Do jardim, à terra, às raízes das plantas, à vida outra vez, um novo ciclo... e ainda, se você parar pra pensar, uma parte, mesmo que muito pequena, mas ainda assim uma parte daquela gota, retornará ao céu de onde veio, independente de onde caia. Se... o Se, é tudo que temos para esta questão. E essa é a questão.

E se não houver fim?


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