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Tobias Barreto, uma praça que poderia ser um santuário

Foto do escritor: Luca PiñeyroLuca Piñeyro

Atualizado: 26 de jun. de 2021

“Para que tudo estremeça,

basta erguer-se uma cabeça

cheia de revolução.”



Em 2014, reformaram a praça Tobias Barreto; novos brinquedos, aparelhos de ginástica para a terceira idade etc. A boa notícia, no entanto, vinha acompanhada de um prognóstico pouco alentador. De acordo com as crônicas de época, os vizinhos afirmavam que as autoridades viriam para a foto da reinauguração e que, depois, a praça ficaria abandonada à mercê dos vândalos.

Com ‘vândalos’, referiam-se aos flanelinhas barulhentos que ocupavam o flanco da rua da escola. Cidadãos que suplicavam em voz muito alta uma mixaria de tudo que um estado de bem estar democrático lhes deveria: moradia saneada, comida regular e pais com emprego digno, autoestima razoável e um tempinho para desfrutar da vida em família.

Wikimédia Commons


Tobias Barreto não teria usado o termo ‘vândalo’ para referir-se a esses rapazes. Ele costumava defender os que já estavam embaixo pelas vicissitudes da história. Usava, ao contrário, a antítese ‘mendigo ilustre’ para definir o imperador Pedro II, baseado na relação entre o que custava às arcas do Estado e o que Sua Majestade produzia.

Se pudesse quebrar a couraça de bronze e falar, diria, aos que usam hoje a palavra ‘vândalos’ para menosprezar os de baixo, que olhassem nos primeiros escalões da administração pública, para ver quantos não haveria ali produzindo bem menos do que os flanelinhas e custando cinco mil vezes mais.

Uma lei dos tempos da escravidão obrigava os proprietários a responsabilizar-se pelo sustento do escravo, uma vez esgotada sua capacidade de trabalho. Apesar disso, muitos senhores com recursos e amizades entortavam a razão e abandonavam os escravos velhos, que terminavam mendigando na rua. Nas suas colunas jornalísticas, Tobias denunciava, com sobrenome, os amos irresponsáveis e ganhava, assim, desafetos na elite escravocrata. Ainda por cima, descrevia a “conformação típica dos municípios brasileiros” como um deplorável círculo vicioso, onde os coronéis furtavam a renda pública, com juízes a seu serviço e delegados a serviço de ambos.

O que diria hoje Tobias, se pudesse quebrar a rigidez da estátua, às autoridades que inauguram a praça, tiram a foto, e vão embora, sem assumir nenhuma responsabilidade por esses cidadãos da rua da escola que, nesse momento, representarim todos os necessitados do estado? O que sentirá o 'caboclo de Sergipe', preso nesse corpo metálico, ao assistir a perpetuação de uma cena muito similar àquela que sempre repudiou?

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