
BALIZA
Cravar a estrela no chão
e dizer à noite: agora,
afaste-se a escuridão
que eu vou chegando com a aurora.
E fazer brotar da terra
- da terra que tudo faz –
não a treva e o ódio da guerra,
mas a luz e o amor da paz.
Que eu vim traçar nos caminhos
(invés de dor e agonia)
a rota livre dos homens
com as tintas claras do dia.
Santo Souza (1919-2014),
poeta inesquecível que sintetizou o ápice da esfera cultural sergipana. A condição do humano deve passar pelas sensíveis lentes desse imorredouro escritor de almas!
Esse mês de outubro caracteriza uma época das mais marcantes para todos os sergipanos que sabem valorizar os seus tesouros locais. No dia 24 é celebrado o ‘Dia da Sergipanidade’, data histórica que possui altivo significado, pois enaltece o fascinante contexto historiográfico da nossa população, da cultura e suas mais esplêndidas formas. Para quem não sabe, esta é uma das efemérides mais importantes, no quesito histórico-cultural, só ficando atrás do ‘Dia da Emancipação Política de Sergipe’, que é comemorada no dia 08 de julho.
Após diversos levantamentos de pesquisa, percebemos que por todo o Século XX, a Independência de Sergipe era comemorada em duas datas: nos dias 08 de julho e 24 de outubro. O feriado da emancipação foi instituído no dia 08 de julho, e o dia 24 de outubro ficou estabelecido como o Dia de Sergipe, ou como enaltecido Dia da Sergipanidade. Dia este em que comemoramos o nosso espírito mais aguerrido, de povo risonho e persistente com relação às intempéries das circunstâncias. Mais do que isso, é nessa gloriosa ocasião em que celebramos a notável grandeza das nossas belas manifestações culturais e o afortunado patrimônio histórico que possuímos.

É importante frisar que não devemos confundir o 08 de julho de 1820, data em que foi formulada a Carta Régia que desanexou o território sergipano da Bahia, com o 24 de outubro de 1824 – sendo esta última correspondente a chegada do documento em Sergipe e que só a partir daí toda a sociedade pôde, enfim, comemorar factualmente a sua tão batalhada independência.
Logo após sua emancipação, Sergipe vê abrolhar o táctil progresso por aqui. Tanto é que as vilas recrudesceram, surgiram as cidades e os avanços nas mais variadas áreas alçaram Sergipe a uma nova condição. O dia 24 de outubro passava, por volta do ano 1836, a ser a data com primazia no quesito liberdade dos sergipanos. Este dia e o mês de outubro em geral, é festejada estação em que devemos reafirmar o nosso pertencimento, a nossa identidade e toda formidável cultura que é singular em todo o Brasil.
Nossas crenças, costumes, sotaques, manifestações folclóricas são genuínos tesouros impagáveis. Quem pode esquecer das delícias da culinária local, a arte popular que é realizada por aqui é algo sublime, sem mencionar as etéreas belezas que delineiam a nossa terra do litoral ao sertão. Por muitos anos, o dia 24 de outubro foi data extraoficial para as comemorações da Sergipanidade. Em 2019 é que esta data entrou de vez para o calendário oficial do Estado por meio da Lei 8.601/2019 de então autoria do Presidente da Assembleia Legislativa de Sergipe, deputado Luciano Bispo.

O amendoim, o caranguejo, a literatura de cordel, o eminente Rio São Francisco e todas as mais variadas manifestações culturais, artísticas e religiosas de Sergipe são elementos identitários que jamais podem passar desapercebidos por nós. O ‘país do forró’ é lugar de descobertas e sentimento lúdico, local em que fortalecemos a coletividade. Podemos afirmar que a Sergipanidade também representa alguns pontos fundamentais: a relevância do negro e suas extasiantes matrizes africanas que aportaram em Sergipe ademais, o valor dos indígenas que forneceram inestimáveis contribuições na seara dos costumes e comportamentos.
Das lições que tiramos ao longo das eras é que devemos seguir implementando políticas públicas que acolham cada vez mais a cultura da História de Sergipe, levando esse valioso conhecimento tanto para os presentes quanto para as vindouras gerações. Os jovens, nomeadamente, precisam se sentir pertencentes ao seu local de nascimento. Alguns ícones da nossa terra precisam ser elencados: João Ribeiro, Tobias Barreto, Fausto Cardoso, Dona Nadir da Mussuca, Sílvio Romero, Augusto Franco, Luiz Antônio Barreto, Maria Feliciana, Amorosa, Zé Peixe – só para termos uma ideia, pois são diversos os que fizeram e refizeram o modo de sentirmos orgulho de ser sergipanos.
Pode-se definir Sergipanidade como sentimento extraordinário que atravessa e transcende fronteiras geográficas. Não se pode falar no orgulho de ser sergipano, sem mencionar um dos maiores senão o maior historiador que este formidável Estado já viu aflorar: Luiz Antônio Barreto (1944-2012). Homem que fez da sua vida um exercício de compromisso afetivo com toda população sergipana.

Em seu mais que célebre artigo intitulado ‘Sergipanidade, um conceito em construção’, nos assevera que: “Sergipanidade é um conjunto de traços típicos, a manifestação que distingue a identidade dos sergipanos, tornando-o diferente dos demais brasileiros, embora preservando as raízes da história comum. A Sergipanidade inspira condutas e renova compromissos, na representação simbólica da relação dos sergipanos com a terra, e especialmente com a cultura, e tudo o que ela representa como mostruário da experiência e da sensibilidade [...] forma-se, então, a consciência pedagógica para o viver comum, fortalecendo as fronteiras da identidade própria. É com esta noção de SERGIPANIDADE, como atitude tanto individual quanto coletiva, que devem florescer as manifestações artísticas, as contribuições lúdicas, fazeres e saberes, usos e práticas circulantes a serem incorporadas pela aceitação, para serem consagradas e renovadas”.
Durante toda a história de Sergipe notamos que a população, a sociedade em geral foi sendo formada por episódios de lutas e pela edificação de consciência ao fortalecimento da identidade própria. Sergipanidade não corresponde a uma atitude individual, muito pelo contrário, concerne a agirmos em prol do conjunto, pois todas as manifestações artísticas, as contribuições jocosas, o modo de fazer e agir, bem como as pedagogias perante o outro são frutos de renovação coletiva.
Conclui-se que neste mês de outubro, a Sergipanidade deve vir a consagrar a nossa identidade como povo alegre e hospitaleiro. A sociedade sergipana se reformula constantemente, o que é fundamental para acrescer a nossa prosperidade artístico-cultural que atravessa fronteiras. Sigamos o legado imperecível do personagem exponencial Luiz Antônio Barreto, realizando dedicados estudos, lutando pela preservação da cultura e tradição que tanto nos enleva em cenário mundial.
* Artigo escrito por Igor Salmeron, Sociólogo - Doutorando em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Sergipe (PPGS-UFS), com pesquisas financiadas pela FAPITEC/CAPES e faz parte do Laboratório de Estudos do Poder e da Política (LEPP-UFS). Membro vinculado à Academia Literocultural de Sergipe (ALCS) e ao Movimento Cultural Antônio Garcia Filho da Academia Sergipana de Letras (MAC/ASL). E-mail para contato: igorsalmeron_1993@hotmail.com
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