Através de um olhar onírico, Cruz expressa a arte de deformar para formar, onde relevos e cavidades criam uma ponte entre o sonho e o mundo material. Emergindo da sensibilidade e subjetividade num século onde a arte é, muitas vezes, fixada em conceitos, os holoesgrafitos surgem como uma recusa flutuante, um fenômeno cuja imagem se refaz a cada movimento feito pelo observador. Assim, o resultado se estende em cada passo, onde a luz se torna um agente ativo sobre a superfície.
Levando em consideração que o artista gravador trabalha com improbabilidades, e não certezas, as obras “O Voo de Ícaro” e “A Queda de Ícaro”, de Antônio da Cruz, criam uma viagem sensorial, onde os observadores são transportados para algum lugar fantástico e demasiadamente profundo e toda força de sua filosofia passa a ser compreendida.
“Esse é o ponto-chave para compreender a técnica como processo intelectual: a partir do momento em que associa a gravura a um projeto poético, o artista seleciona no arsenal técnico disponével apenas o necessário para produzir os signos correspondentes à manifestação integral de seu pensamento afetivo, incluindo dúvidas e desejos”. (BUTI, 2002,p.17)

Antônio da Cruz, “O vôo de Ícaro”. Série Lendas e Cantigas, 2005. Gravação por RPM.
Na obra O Voo de Ícaro, observa-se o momento em que o menino sobe aos céus vestindo grandes asas feitas de cera e penas. O voo, essa abstração fulminante, é apresentado através de um efeito dinâmico e reluzente. Como um desejo pela emancipação, o voo é antes de tudo, um sonho. O jovem, experimentando uma liberdade nunca antes sentida, ultrapassa o topo das nuvens. No entanto, o intervalo entre as duas obras anuncia a queda, momento que desarma o indivíduo de toda vaidade e o traz de volta ao chão. De início, o jovem impetuoso que aparece voando demasiadamente alto, talvez no desejo de alterar a ordem natural das coisas, é lançado de volta à Terra.

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