‘Os mercados’, entre aspas, são uma entidade do mundo atual que reage, positiva ou negativamente, às catástrofes ambientais, às descobertas da tecnologia ‘de ponta’, ao triunfo eleitoral dos candidatos etc., afetando os valores de ações, títulos e economias nacionais. Assim, outorgando ou retirando sua confiança, ‘os mercados’ regulariam seus investimentos e a prosperidade das nações.
O mercado, sem aspas, é o Municipal de Aracaju, aberto em 1926 para abastecer o município de carnes, verduras e cereais, sob o controle das autoridades sanitárias. Na época, a higiene era um dos objetivos primordiais dentre os que caracterizavam as cidades em processo de modernização. No ato inaugural, o mercado recebeu a benção do bispo, numa cerimônia que, segundo a imprensa, reuniu “o mais seleto grupo social” da cidade.
Quando os especialistas em economia falam de ‘os mercados’ apontam a uma organização difusa, sem responsáveis que possam ser individualizados. Mas ‘os mercados’ gozam de enorme poder sobre as vidas de grande parte dos habitantes do planeta, como credores de dívida, como varejistas planetários ou como contaminadores do meio ambiente. Não é difícil determinar quem são, procure-se entre os magos das finanças ou das pontocom. Também não é dificil adivinhar seu objetivo: enriquecer pessoalmente, entrar no top ten da revista Forbes, doa a quem doer e custe o que custar.
Assim que foi inaugurado, o Mercado Municipal também começou a doer nos bolsos dos consumidores. Por uma estranha prestidigitação senhorial, o governo pôs o dinheiro para a construção das instalações, através de recentemente inaugurado Banco do Estado de Sergipe, mas o negócio ficou nas mãos do Coronel Sr. Antônio Prado Franco. E com apenas vinte dias de funcionamento, já tínhamos notícias preocupantes. A taxa extorsiva que cobrava o coronel aos quitandeiros era trasladada ao preço da comida e o povo pagava “esses sustos da ambição insaciável dos ricos” (Sergipe-Jornal, 28-2-1926). Usava-se, incluso, a palavra sangue suga.
Está o mito da mão invisível do mercado, etc., mas podemos pensar também que os ricos planetários de hoje ocultam-se como grupo sob a expressão ‘os mercados’ porque assim evocam um outro campo muito bem avaliado pela memória popular: a feira. Para a maioria das pessoas, a primeira imagem que provoca a palavra mercado é a da feira, um espaço onde encontramos os alimentos que tanto desejamos e onde, entre uma ou outra trapaceada, circulam quilos de confiança e camaradaria. A denominação ‘os mercados’ usurpa um significado positivamente arraigado na experiência coletiva, para ocultar as identidades do grupo que saqueia o mundo. Quando os sacerdotes jornalísticos falam em 'os mercados', estão escondendo a verdadeira fase de uma classe de doentes da ambição num momento de profunda decadência das adoradas bandeiras ocidentais da igualdade e a fraternidade.
A administração do Sr. Antônio Franco não durou um ano. Não sabemos se houve inquérito para apurar devidamente como o Mercado foi parar nas mãos do coronel, mas podemos imaginar. Para janeiro de 1927, um novo governador desfez o contrato e tomou conta da situação. Assim, equilibrou os efeitos da ambição descontrolada do coronel e decretou uma série de normas: proibiu anunciar produtos aos gritos; músicos, cantores e saltimbancos; enganar o comprador; puxar pelo braço ou roupas dos transeuntes etc.
Os dados foram extraídos da dissertação de mestrado: O Mercado Municipal de Aracaju e seus tempos: princípio, perda e reinvenção (1926-2000), de Andrea Rocha Santos Filgueiras.
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