Chegam cadáveres à praia, entre a Barra dos Coqueiros e o norte da Bahia; homens, mulheres e crianças. Os corpos, às vezes, são identificáveis: sexo, cor da pele, estatura; em ocasiões, inclusive, portam anéis ou medalhas com seu nome ou o de alguma pessoa amada. Outras vezes, contudo, resultava impossível qualquer reconhecimento porque os mortos chegavam em completo estado de decomposição ou em pedaços.
Em agosto de 1942, a II Guerra Mundial era para os brasileiros algo que se vivia pelo rádio ou pelos jornais. Não era uma experiência de miséria e horror sentida com o próprio corpo e com o próprio medo, como acontecia com os europeus. Agora, uma pequeníssima onda dessa grande catástrofe assediava nosso litoral e sacodia o pulso normal da cidade.
Os jornais, ainda por cima, alimentavam a inquietação, o ódio. Chegou um corpo com duas perfurações no cinto de cortiça? “Provavelmente, foram balas de metralhadora”, especulava o Correio de Aracaju. Enquanto isso, o Sergipe Jornal descrevia com detalhismo doentio as mutilações que o mar trazia e culpava os torpedos alemães pelo destroço dos corpos. O objetivo era convencer os brasileiros da necessidade de declarar a guerra aos nazistas e esses relatos jornalísticos contavam que esses sádicos não só afundavam o navio senão que atiravam depois contra os náufragos.
Tarde, como quase sempre, saberíamos que esse quadro era totalmente propagandístico; ou seja, parcialmente mentiroso. As mutilações eram por conta da atividade corrente dos animais do mar e da terra.

Fonte: Tripadvisor
Os corpos traziam joias de ouro, relógios, carteiras com dinheiro. Como no jornalismo, os fatos se distorciam também nos relatos orais e circulavam histórias de pessoas que tinham achado verdadeiros tesouros, que tinham pagado as dívidas ou, até, tinham comprado um sítio. Incluso os membros da elite eram vencidos pela tentação do brilho que vinha do mar. Os registros policiais dão conta de um conhecido socialite, acusado de subtrair três anéis das mãos de uma mulher branca, inchada e seminua.
O litoral sul virou campo de batalha entre os acumuladores ribeirinhos, conhecedores dos movimentos do mar, e as autoridades centrais, que careciam desse saber e nem tinham o número de praças suficiente para cobrir a região. Assim, os objetos de valor atravessavam os frágeis controles do exército e iam para um clandestino de distribuição.
Enquanto isso, outro setor da população, seguramente alimentada pelas notícias da imprensa, derramava sua raiva pelo golpe recebido sobre os alemães e italianos que moravam na cidade. Casas, lojas e indústrias foram saqueadas. Nas rodas de conversa, procurava-se achar o suposto traidor, aliado dos nazistas.

Fonte: Wikipédia
Por fim, o Brasil entrou na guerra contra o Eixo, como os americanos queriam, e, com isso, chegaram as questões de segurança nacional e tudo se fez mais rígido. Nem cortar lenha nos manguezais que envolviam a cidade de Aracaju, podia-se, porque eram a proteção natural contra eventuais desembarques de soldados nazifascistas.
Os aracajuanos, enquanto isso, se afastaram por um bom tempo das praias de Atalaia, dando nova vida à praia Formosa.
Fonte: Os malafogados: memória e guerra na costa do Brasil (1942), de Luiz Antônio Pinto Cruz e Lina Maria Brandão de Aras.
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